PREJUÍZOS DECORRENTES DO ATRASO NA ENTREGA DO IMÓVEL
Não se pode negar que o Programa denominado Minha Casa Minha Vida, quando surgiu em 2009 contribuiu e muito, no que se refere ao acesso à casa própria, cujo perfil de renda das famílias beneficiadas, até então, nunca tivesse acesso facilitado a este tipo de crédito.
Este programa de Governo mudou a face do financiamento imobiliário no Brasil e foi um dos principais responsáveis pelo crescimento das contratações. Logo no primeiro ano o volume de crédito junto à Caixa Econômica Federal saltou de 23,3 bilhões em 2008 para 47,05 bilhões em 2009, representando avanço de 102%. Neste ano de 2019, o montante chegou em 128,8 bilhões de reais.
Das crescentes ofertas surgiram os problemas, entre os quais, vamos nos ater neste artigo a mais comum, que trata da responsabilidade e penalidade diante do atraso injustificado para entrega da obra.
Melhores luzes à ilegalidade que pretendemos abordar, vamos retratar caso hipotético, no qual o consumidor foi a um estande de vendas, aceitou a oferta e adquiriu o imóvel na planta com promessa de entrega em (30) meses.
Neste caso, sem que fosse adequadamente informado, os instrumentos contratuais que assinou quando do fechamento do negócio, previam que o (prazo de 30 meses) estaria condicionado a outras situações, no caso, fechamento da campanha de 70% de vendas e adesão ao financiamento.
Situação esta é o que vem a caracterizar a prática abusiva cometida pelo incorporador imobiliário, pois, deixou de fixar um prazo certo para cumprimento de sua obrigação consistente em entregar o imóvel no prazo prometido.
A manipulação abusiva do prazo de entrega ocorre porque, enquanto não finalizasse suas vendas e liberasse o financiamento, o consumidor fica impedido de ver iniciar o prazo de entrega, ficando a mercê de evento futuro e incerto.
Esta incerteza, de efeitos nefastos, contribui negativamente em todos os planos de vida daquele que planejou se mudar para seu imóvel, contudo, se vê submetido as mazelas de fornecedores desleais.
NORMA JURÍDICA EM DEFESA DO CONSUMIDOR
Esta situação é o que podemos caracterizar como “manipulação do prazo de entrega em prejuízo do consumidor”. É diante destas condições evidentemente abusivas, que nos valemos das normas do CDC – Código de Defesa do Consumidor, vejamos;
Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas;
XII – deixar de estipular prazo para o cumprimento de sua obrigação ou deixar a fixação de seu termo inicial a seu exclusivo critério.
A norma do Art. 39 protege o fato ocorrido na situação hipotética que tratamos, ou seja, os contratos de compra e venda do imóvel na planta, não têm um termo certo de entrega, pois depende de acontecimentos futuros e incertos. Como exemplo, a necessidade de se aguardar por longo período a assinatura do contrato de financiamento.
Segundo o Código de Defesa do Consumidor, cláusulas ambíguas ou desfavoráveis ao consumidor, devem ser anuladas, vejamos;
Art. 47. As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor”.
O prazo de entrega, portanto, deve corresponder exatamente a oferta que se deu ainda no estande de vendas; decorre daí a abusividade da prática do fornecedor, que terá como consequência a declaração de nulidade de todos seus termos contratuais abusivos, vejamos o que diz o CDC;
“Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade;
⦁ 1º Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que:
II – restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual;
APLICAÇÃO DAS NORMAS E O DIREITO A REPARAÇÃO DOS DANOS
Até aqui nos preocupamos em demostrar juridicamente a ilegalidade da conduta de alguns incorporadores. Estes, em verdade, de antemão sabendo que não seria cumprido o prazo ofertado para entrega do imóvel, manipulam seus instrumentos contratuais a fim de entregar o imóvel quando bem entenderem, sem sofrer qualquer penalidade.
Diante deste atraso injustificado para a entrega da obra, cabe ao consumidor lesado fazer valer as normas de defesa do consumidor que comentamos. Lado outro, cabe ao Judiciário, uma vez provocado, aplicar o direito.
Nestes casos, o atraso da obra vem sendo compensado, ou seja, a fim de minimizar estes prejuízos ao consumidor, houve por bem, definir-se critérios de sanção punitiva.
Ao longo dos últimos anos inúmeras são as decisões dos Tribunais Estaduais em favor do consumidor, contudo, para o caso em análise, vamos nos valer da recente decisão do STJ – Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial nº 1.729.593/SP, que tratou do Tema 996, até porque os Tribunais dos Estados devem seguir a jurisprudência desta Corte Superior, quando do enfrentamento do tema, vejamos (destaques nosso);
As teses firmadas, para os fins do artigo 1.036 do CPC/2015, em contrato de promessa de compra e venda de imóvel na planta, no âmbito do Programa Minha Casa, Minha Vida, para os beneficiários das faixas de renda 1, 5, 2 e 3, foram as seguintes:
1.1. Na aquisição de unidades autônomas em construção, o contrato deverá estabelecer, de forma clara, expressa e inteligível, o prazo certo para a entrega do imóvel, o qual não poderá estar vinculado à concessão do financiamento, ou a nenhum outro negócio jurídico, exceto o acréscimo do prazo de tolerância;
1.2. No caso de descumprimento do prazo para a entrega do imóvel, incluído o período de tolerância, o prejuízo do comprador é presumido, consistente na injusta privação do uso do bem, a ensejar o pagamento de indenização, na forma de aluguel mensal, com base no valor locatício de imóvel assemelhado, com termo final na data da disponibilização da posse direta ao adquirente da unidade autônoma(…)
(STJ Resp. nº 1.729.593/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 25/09/2019, DJe 27/09/2019).
DECISÃO STJ NA INTEGRA
A REPARAÇÃO DESTES DANOS E OS PARÂMETROS DE PUNIÇÃO
Certo é que a Jurisprudência do TJSP – Tribunal de justiça de SP, há tempos já vem aplicando penalidades, agora, contudo, sedimentada pelo STJ – Superior Tribunal de Justiça. Nestes casos, a penalidade é caracterizada pelos “lucros cessantes” ou aquilo que o consumidor deixou de ganhar, vejamos o que diz o TJSP;
Súmula 162 – Descumprido o prazo para a entrega do imóvel objeto do compromisso de venda e compra, é cabível a condenação da vendedora por lucros cessantes, havendo a presunção de prejuízo do adquirente, independentemente da finalidade do negócio.
Este valor deverá corresponder a 0,5% do valor atualizado do imóvel. Tomemos, por exemplo, um imóvel cujo valor atualizado é de R$250.000,00 e o atraso na entrega foi de 10 meses, assim temos; (250.000,00 x 0,5%) = (R$1.250,00 x 10) (= R$12.500,00). Este seria o valor da condenação para o atraso injustificado, é o que extrair das orientações jurisprudenciais do TJSP, vejamos;
Apelações Cíveis. (…) Atraso na obra caracterizado Caso fortuito Inocorrência Súmula 161 deste Egrégio Tribunal de Justiça Lucros cessantes reconhecidos pela privação do uso e fruição do imóvel Indenização devida desde a data em que o imóvel deveria ter sido entregue, acrescida do prazo de tolerância, até a data da efetiva entrega, e limitados a 0,5% por mês de atraso, conforme entendimento firmado nesta Colenda Câmara de Direito Privado (TJSP; Apelação Cível 1008734-32.2015.8.26.0604; Relator (a): Christine Santini; Órgão Julgador: 1ª Câmara de Direito Privado; Foro de Sumaré – 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 15/10/2019; Data de Registro: 16/10/2019, g.n.) DECISÃO – INTEGRA
APELAÇÃO Ação de Indenização Instrumento Particular de Promessa de Compra e Venda Pretensão de reparação de danos materiais em decorrência de atraso na entrega do empreendimento imobiliário (…) Cláusula que atrela o prazo da obra ao contrato de financiamento confunde o contratante quanto ao termo final para a entrega da unidade, e se revela abusiva por acarretar em situação visivelmente mais favorável às vendedoras e desvantajosa ao adquirente. Inteligência dos artigos 6º e 47, do C.D.C e do artigo 423 do C.C Prevalência do prazo previsto no quadro resumo Descumprido o prazo para a entrega do imóvel objeto do compromisso de venda e compra, é cabível a condenação da vendedora por lucros cessantes, havendo a presunção de prejuízo do adquirente, independentemente da finalidade do negócio Inteligência da Sumula 161 do TJSP Manutenção da condenação no ressarcimento da taxa de individualização de matrícula e despesas condominiais Recurso desprovido. (TJSP; Apelação Cível 1016321-93.2017.8.26.0068; Relator (a): José Aparício Coelho Prado Neto; Órgão Julgador: 9ª Câmara de Direito Privado; Foro de Barueri – 6ª Vara Cível; Data do Julgamento: 09/04/2019; Data de Registro:09/04/2019, g.n.) DECISÃO – INTEGRA
A partir destas considerações esperamos contribuir para que os consumidores não se rendam diante de promessas protelatórias, fazendo valer seus direitos quando se deparem com o atraso injustificado da entrega do imóvel.
Júlio Cesar Sposito.
Advogado – OAB/SP 288.305
Pós-Graduado – Direito do Consumidor e Imobiliário.
(15) 98131-3031